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A efemeridade da vida


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Pela manhã deste domingo, antes mesmo de conseguir abrir meus olhos direito, peguei meu celular (um péssimo hábito, por sinal) e fui logo bombardeado por mensagens tristes, avisando-me que uma colega de trabalho havia falecido de Covid. Essa notícia, tão cedo, me deixou chateado e bastante pensativo sobre quão efêmera é a vida e o quanto, com o passar do tempo, nos permitimos apenas ser espectadores de nossa própria existência.

Conheci essa minha colega de trabalho ainda muito pequeno. Ela, na sua postura sempre muito correta e íntegra, tinha como função gerenciar a biblioteca de minha escola. Para além disso, dona Dalva, era mãe de uma colega de escola muito querida e inteligente. Eu tinha apenas 5 anos de idade quando, pela primeira vez, tomei conhecimento de que ela sempre estaria ali por perto, auxiliando os alunos na procura de algum livro, assim como os cobrando pela sua devolução em tempo, afinal, seu cargo exigia compromisso e responsabilidade. Mas, infelizmente, era somente isso o que eu sabia de Dalva. Não sabia o que ela gostava de escutar, como ela se divertia, quais eram seus programas favoritos ou qualquer outra atividade que não estivesse relacionada ao seu trabalho. Anos depois, voltei ao mesmo colégio e me tornei seu colega. A mesma impressão continuei tendo dela, e novamente sem saber nada a mais além do seu amor pelo que fazia.

Hoje, após receber a notícia de sua passagem, me pergunto o quanto talvez todos que passaram por ela perderam de conhecê-la de verdade. O quanto, entre um livro e outro, perdemos de aprender com ela, afinal, quem mais do que uma bibliotecária poderia nos ajudar sobre a melhor leitura, o melhor autor e livros que poderiam nos fazer refletir. Enfim, tantas coisas que talvez não caibam em um único texto. O fato é que a vida nos engana e nos faz acreditar que tudo é para sempre, eterno. Pensamos que as pessoas estarão ao nosso redor o tempo todo, quando na verdade, somos seres muito frágeis. A pandemia talvez tenha nos trazido um pouco dessa lição.

Mais recentemente, assim como muitos outros brasileiros, fui acometido por esse vírus maldito. Durante dias, dúvidas me assombravam e a cada manhã, mesmo que ainda bastante debilitado, agradecia pelo dom da vida e pela oportunidade de mais uma vez abrir meus olhos. Para quem ainda acredita que o Covid-19 apenas causa uma pequena “gripezinha”, assim como, infelizmente, algumas autoridades, saiba que você está completamente enganado. São dores no corpo inteiro, febre que não passa, a cabeça parece que vai explodir e tantas outras sensações que nos assustam o tempo todo. Felizmente, após duas semanas, consegui vencer a doença, mas sou uma exceção entre tantos que não resistem, assim como Dalva.

Mas esses dias em casa me fizeram repensar muitas coisas e algumas práticas minhas que ainda não contemplavam essa efemeridade do existir. Muito tempo entre a cama e o sofá, remédios e cautela me ajudaram a pensar sobre o quanto desperdiçamos o nosso tempo com bobagens. Nos preocupamos muito facilmente com aquilo que não irá nos trazer benefícios e nos esquecemos do que deveria ser essencial. E é impressionante como só conseguimos abrir os nossos olhos para situações assim quando não temos mais a audácia da certeza. Quando nosso corpo já não nos obedece mais e, assim, nos tornamos seres vulneráveis.

Desse modo, a única maneira de evitarmos que a efemeridade seja algoz em nossas vidas é realmente vivendo. Explorando novos caminhos, conhecendo pessoas, se conhecendo, permitindo-se viver. Eu sei que não há muito espaço para a esperança ou alegria nestes últimos tempos. A atmosfera está densa e o clima está bastante pesado, mas espero, de todo o meu coração, que todos nós possamos saber valorizar mais cada segundo compartilhado e cada vida que ainda está ao nosso lado.

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