A incontestável genialidade do homem branco
- gustavorodrigues937
- 18 de jun. de 2023
- 3 min de leitura

Durante a minha vida inteira estudei em escola privada, através de bolsas de estudo, algumas vezes cedidas pela instituição, outras ofertadas pela prefeitura de minha cidade. Isso significa que grande parte da minha jornada estudantil convivi basicamente com pessoas brancas ao meu redor e, eventualmente, tive contato com pessoas assim como eu, que vinham e desapareciam da escola de um ano para o outro. Os motivos, é claro, geralmente estavam relacionados à questão financeira, que os impediam de permanecer na instituição, algo que, até mesmo para mim, bolsista, era sempre apresentado como um fantasma da possibilidade. Mas para além da questão de diferença de classe, que aqui já poderia ser apresentada através de uma tese de doutorado, havia algo que me incomodava de forma constante: a incontestável genialidade que apenas habitava em homens brancos.
Acredito que começamos a perceber essa tal característica muito cedo, mesmo que não tenhamos o armamento necessário para questioná-la ainda. Todos os filósofos que estudamos são brancos, os pesquisadores que nos apresentam e as grandes referências que são mostradas são também brancas e assim segue, firmemente, através do pacto na branquitude (vide Cida Bento, uma de nossas estudiosas negras mais importantes do Brasil), nas universidades de todo o nosso país. Somos bombardeados por modelos criados a partir de uma sociedade racista e excludente, que, através de mensagens bem claras e diretas, nos dizem “NÓS SOMOS OS DETENTORES DO CONHECIMENTO”. Esse comportamento se torna ainda mais evidente quando notamos que mesmo com as inúmeras mudanças que vem acontecendo em nosso sistema, pequenas, mas importantes, por meio do advento das cotas raciais em concursos públicos, a branquitude permanece enraizada em sua ideia de que só há perspectiva de se encontrar genialidade em pessoas brancas.
Como experiência própria, posso dizer que durante todos esses anos de estudo, incluindo educação básica, graduação, especialização e mestrado, não tive contato com autores e escritores negros, exceto nosso maior representante da literatura brasileira, Machado de Assis, que, ainda assim, teve sua negritude apagada por muitos anos. Isso porque, para a academia, de forma geral, os nossos conhecimentos não podem ser considerados válidos para a construção do saber. Somos o tempo todo avisados sobre a falta de adequação de nossos saberes sob a ótica de que apenas podemos falar acerca de tópicos racializados, sendo que nem mesmo dentro dessa área muitas vezes temos o respeito das pessoas. É como se estivéssemos pisando em ovos constantemente e tendo que pedir permissão para que sejamos ouvidos.
A genialidade, portanto, de acordo com esse panorama, reside somente em homens brancos, pois são eles os responsáveis pelo desenvolvimento da sociedade em todos os campos (contém altas doses de ironia). O que estudamos e construímos é desconsiderado. Inclusive, essa “genialidade” é idealizada e praticada em nosso dia a dia, em pequenos atos que muitas vezes nem ao menos percebemos. Enquanto professor hoje observo muito esse tipo de comportamento entre os meus pares que, volta e meia, costumam glorificar a inteligência e perspicácia que existe entre eles, mas, quando são contestados pelos poucos docentes negros das instituições, criam uma proteção silenciosa diante do “não lugar” nosso. É comum também verificar essa mesma prática destes professores para com os seus alunos. Os escassos estudantes negros espalhados em diferentes turmas, tanto das instituições de educação básica quanto das universidades, jamais estão na lista dos mais admirados pelos professores. Geralmente sob a desculpa de que precisam se esforçar mais, pois são medianos, ou porque são alunos problemáticos, já que não seguem a cartilha exigida socialmente. Para nós, resta o constrangimento e a necessidade constante de uma busca pela perfeição para que possamos, talvez, sermos respeitados pelo que sabemos.
Fato é que não há possibilidade de nos mantermos nessa posição subalternizada. Bell Hooks já trazia em sua obra “Ensinando a Transgredir: a educação como prática de liberdade” a ideia de uma educação descolonizada, de uma docência engajada e que permitisse aos alunos transcenderem ao status de uma sociedade racista, classista e excludente. Afinal, o processo de ensino e aprendizagem precisa ser mais do que apenas uma passagem de conteúdos estabelecidos por um órgão. Ele é e deve ser concebido como uma possiblidade de fazer com que os indivíduos possam questionar seu lugar no mundo, as desigualdades que existem e, principalmente, combatê-las. A educação não pode ser um alicerce para a continuidade do pacto da branquitude sobre a sua genialidade incontestável, pelo contrário. Ela precisa indagar e instigar as pessoas sobre essa permanência, fazendo com que elas quebrem esse ciclo. Talvez, dessa forma, possamos ter, futuramente, uma pluralidade maior de conhecimentos e um reconhecimento, de fato, dos saberes de diferentes pessoas, independentemente das questões raciais.




Gustavo, mais uma vez teu texto é necessário e remonta cenários que já estive, presenciei e protagonizei sem ideia da dimensão. Obrigado por esse abrir os olhos.
Texto necessário!